segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Sem conservantes


Na escrivaninha,
Dentro do poeta,
Quietinha, sozinha,
Desvela-se a senhora poesia
No mundo regido pela ditadura
Da palavra muda.

A palavra, como já disseram,
E coisa extremamente dura
Fixa
Rocha
Pedra
Liga de aço.

A poesia não se importa
Não se abate
Não debate
Nem liga ao que faço.

A poesia é soberana
E deliciosamente engana
Dentro dos limites etéreos
Mal determinados
Do campo minado
Da água humana.

Ou seja,
De perto à Londres
Da porta ao longe.
Do pecado ao monge.

A energia,
Pela Física,
É coisa que se conserva,
Eterna,
Que desde eras
Tem em mesma quantidade:

Não é destruída
Não é gerada
É repaginada
Num ciclo de novidades
E velharias.

A poesia
Destrói a Física,
Destrona Galileu,
Newton e Einstein.

Faz da nudez,
Suas asas;
Traz da mudez
Suas falas;

Do nada
Faz um universo
De possíveis ecos
Pais de revérberos
Profusão que irradia.

A poesia,
Diferente da energia,
Nem a si
Nem ao poeta
Conserva.

22/09/2009

Alheia


A poesia se fecha em si mesma
Não precisa de mesa
De papel
De pincel.

Ela é arte abstrata
É ingrata
Que vive no substrato
Poroso
Fosco
Habitado
Somente
Pelo silêncio
Da semente.

A poesia só precisa do poeta
Se, arbitrariamente, optar em ser
Gente.

22/09/2009

Prece doce


Minha oração
Neste momento delicado
De solitude
É um suspiro.

Suspiro,
Aquele leve doce
Feito de açúcar
E da transparência
Da clara do ovo.

Doce gostoso
Que desmancha na boca
De quem degusta
Deus
Aos poucos.


23/09/2009

Sintetizando


Não quero muitas palavras.
Desejo apenas que algumas poucas
Delimitem em linhas parcas
O poema
Que intenta
Abordar, em resumido,
Aquilo que mal consigo
Delimitar.

Anseio que poucos pares de signos
Sejam suficientes
A me fazer crente
De que superlativo absoluto sintético
Possa ser
Absurdamente
Analítico.

28/11/2009

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Canção de Maria

Este texto fez parte da apresentação de Natal da minha igreja, Primeira Igreja Batista de São Gonçalo (RJ)


Fico a pensar em Maria, que alegria!
Bem no finzinho do dia a ninar o neném.

Maria, virgem bendita, dentre muitas escolhidas
Embalando a criança,
Seu querer bem.
 Fico a pensar em Maria, que alegria!
Na noite divina balançando o neném.

Maria, linhagem davídica
Envolvendo em seus braços,
O Amém.

Os olhinos fechados
De súbito, um bocejo
Seguindo um gracejo
Do papai José.

É...
A água da vida
Com a boquinha junto ao seio de Maria
Sorvendo o máximo do leite materno
Até que, terno,
Adormece.

Quem concebe?
Quem concebe a sensação da virgem
Ter o pão da vida entre os braços finitos
Acalentando o sono do Rei
Com a canção da infância
Dos seus ancestrais?

Quem concebe?
Quem disso é capaz?

Fico a pensar em Maria, que alegria!
Bem de noitinha fazendo carícias com comoção.

Tentando entender o que significa
O fato do Criador ser afagado
Pelos finitos braços
Da criação.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Tempero


É pau
É pedra
É o início
O meio
E o fim do caminho.

É ninho depressa
Persistente el niño.

É nau
É vela
Precipício
Vazio.

É rio de reza
Cruz de pedra
Moinho.

É pão
Farelo
Pão dormido
Domingo.

É semana dispersa
Só um dia
Divino.

Junção
Aberta
Estar junto
E sozinho.

E a vida tempera:
Camomila
E cominho.


16/11/2009

O louco


Não sofre nunca mais de solidão, / hoje vive cercado por amigos.
Pra trás ficou decepção / da intenção alienada dos queridos.

A vida tomou um novo brilho, / agora proseia o dia inteiro.
O pai, a mãe, também os filhos? / Pra quê? Tem-se algo verdadeiro.

A pedra, amiga divertida, / provoca risos sem receio.
Ausentes dentes na gengiva. / Adeus, bye bye, sorriso meio!

O amor da vida é a mangueira, / seus beijos são doces como manga.
As folhas, carícias verdadeiras. / O tronco, sincero, não lhe engana.

A flor, amiga confidente, / lhe mostra beleza que perdura.
Certeza de cores afluentes / que jorram do caule pela rua.

É tanta boa gente em evidência / amando docemente o ser imundo...
Melhor viver noutra ciência / sem ciência de viver em outro mundo.


 
07/12/2009


À margem


Aprecio as pautas brancas das folhas castas
Que por minha caneta encontram prazer e sentido em existir.

Contudo, tenho que assumir
Que meu amor vai além de suas margens
Na área de exílio e vadiagem.

Nesta região tão desdenhada
Desenho rascunhos dos escritos
Sem compromisso:

Não há fim / Não há início
Não há promessa / Não há premissa

Não há redoma / Não há redonda
Nada que imponha / A forma rija

Na borda do meu poema
Os meus dilemas
São sobrescritos

As algemas
São subscritos

Meus segredos
São segregados.

07/12/2009

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Tricotomia

Sou uma intenção de espírito
Espírito de espírito
Ligação feita, pouco perceptível.

Sou corpúsculos de alma
Intermitência de válvula
Ligação feita, tangível.

Sou um pedaço de carne
Setenta quilogramas de carne
(Diagrama com osso e sangue em conjunto).

Ligação feita numa das trompas

(No fundo)

Previsível

Perecível.

Numa manhã


De manhã abri meus olhos,
Descortinei minha mente

Rente à existência de Deus.

Tudo começa nessa esquina divina,
No pensamento pós noturno,
Inaugural de mais um dia
De renovada sina.

Lembro que tudo começa com Deus.
Tudo no meio é consigo.
E o meu fim,
O que direi?

No ínterim fracionado do despertar,
Ao sair à labuta,
Elevo vapores aos céus
Até que sento
E me lembro
De quem deveria ser.

Mas descanso naquilo
Que não mais sou.

E levito.


Fé como é

Não me peça para ter fé.
Não me peça para não tê-la.
Não me pregue a peça
De ver razão última ou primeira
Na maneira que tudo
É.


A fé é assim mui ligeira
Saltimbanca, saltitante,
Saliente, reticente,
Argamassa e peneira.


A fé (talvez a verdadeira)
Oscila da alegria à tristeza,
Da comédia ao drama,
Eletrocardiograma
Dos seres de dezenas de milhares de
Gramas.

Conforme a de um qualquer
Minha fé
É.